A concorrência desleal em embalagens de produtos ou procedimentos de serviços é cada vez mais comum. E se dá através da cópia de trade dress ou identidade visual, prática que acarreta prejuízos enormes às empresas e vem sendo repetidamente repelida pelos tribunais. O desvio indevido de clientela através da imitação de embalagem ou de trade dress de produto ou serviço é muito comum de ocorrer no mercado e se baseia no engano do consumidor. Funciona da seguinte maneira, em geral: ao vislumbrar um produto ou serviço concorrente que possui sucesso no mercado, o infrator procura imitá-lo, para induzir o consumidor a erro.

 

TRADE DRESS

Ou seja, reproduz a embalagem aparência de produto ou forma de apresentação de um serviço de outra empresa, geralmente de sucesso. Através deste ardil o infrator induz a que o consumidor compre o seu produto, pensando estar comprando outro, embora conste no mesmo marca diversa.

 

Isso se torna possível por dois motivos básicos, dentre outros: (1) a embalagem do produto ou serviço dito infrator é feita de forma a imitar na maior parte (mas nem tudo, para que o infrator tenha um “porta de saída” e fugir para impunidade, em caso de ataque judicial) de outro similar de sucesso no mercado e porque (2) a decisão de compra do consumidor em geral ocorre em poucos segundos, confiando na rápida e superficial percepção visual do produto, que é muitas vezes alvo do engodo.

 

Na propriedade industrial a identidade visual do produto ou do material de divulgação de serviços se chama de trade dress. José Carlos Tinoco (SOARES, José Carlos Tinoco, in Concorrência Desleal Vs. Trade Dress ou Conjunto-Imagem. São Paulo, 2004, p. 213.) define o trade dress:

 

“…é o meio pelo qual o produto é apresentado no mercado; é o identificador de origem; o termo  ‘trade dress’  significa a imagem total ou aparência geral de um produto ou serviço, incluindo, mas não limitado a, desenho da embalagem, rótulos, recipientes, mostruários, à característica do produto ou à combinação de elementos ou figuras que são ou se tornam associadas exclusivamente com uma existência particular, que permitem funcionar como sendo um indicador de origem do produto; o ‘trade dress’ compreende um única seleção de elementos que imediatamente estabelecem que o produto se distancia dos outros, por isso se torna inconfundível.

‘Trade dress’ e/ou ‘Conjunto-Imagem’, para nós é a exteriorização do objeto, do produto ou sua embalagem, é a maneira peculiar pela qual se apresenta e se torna conhecido. É pura e simplesmente a ‘vestimenta’, e/ou o ‘uniforme’, isto é, um traço peculiar, uma roupagem ou a maneira particular de alguma coisa se apresentar ao mercado consumidor ou diante dos usuários com habitualidade.

 

Portanto, esse tipo de concorrência desleal se denomina de “infração aos direitos de trade dress”.

A defesa contra tal prática integra o grupo de direitos em propriedade industrial. Sobre o que é propriedade industrial e propriedade intelectual, veja nosso artigo em https://www.marcasepatente.com.br/o-que-e-propriedade-intelectual/.

 

 

CONCORRENCIA DESLEAL E NÃO-SOMENTE CONCORRÊNCIA ILEGAL

 

O termo concorrência desleal é expressão utilizada para definir de forma geral todas as práticas de concorrência que na prática determinam o uso de ardil ilegal para desviar clientela. O termo desleal é oriundo da doutrina mas não possui o significado direto de algo contrário à lei.

 

Ele é usado porque é mais amplo do que ser contrário à lei. Ao contrário do que possa aparentar, o direito, como decorrência dos valores locais de uma população. E não visa, entre outros objetivos, repelir apenas condutas ditas “ilegais” “que se chocam com a lei”. Na verdade, os limites de condutas não se situam apenas na lei, mas também nos princípios gerais de direito e nos valores.

 

Nem tudo que não é ilegal é aceitável. Uma conduta pode não ser ilegal, e mesmo assim determinar resultados não aceitáveis eticamente, como é o caso do enriquecimento indevido ou enriquecimento sem causa.E no caso da Concorrência desleal em embalagem, estamos diante de um ilícito que não possui vedação expressa, mas sim derivada.

 

Miguel Reale ensina que os princípios podem ser vistos como um “leque de preceitos fundamentais, desde a intangibilidade dos valores da pessoa humana, vista como o fulcro de todo o ordenamento jurídico, até os relativos à autonomia da vontade e liberdade de contratar; à boa-fé como pressuposto da conduta jurídica; ao equilíbrio dos contratos, com a condenação de todas as formas de onerosidade excessiva para um dos contratantes; à exigência de justa causa nos negócios jurídicos; aos pressupostos de responsabilidade Civil ou Penal, etc.”.” ().

 

Os princípios gerais de direito são enunciados normativos não escritos pelo legislador. Porque se escritos pelo legislador com vigência e coercitividade passam a se chamar de lei. Muitas leis são verdadeiros espelhos de princípios gerais de direitos.

 

Estes princípios são, pois, os alicerces da lei. Já os valores são as eleições humanas de como suas regras de conduta diária devem se dar. São compostos por tudo aquilo que o ser humano costumeiramente aceita ou repudia. Decorre do costume. Na antiga Roma, por exemplo, quando as soluções privadas de conflito (geralmente, vinganças) deram lugar a intervenções de árbitros (anciãos, sacerdotes), que baseavam-se nos costumes ou mores.

 

Então, como visto, a vontade do legislador ao usar o termo concorrência desleal, ao invés de concorrência ilegal, foi justamente de ser mais amplo, de forma a permitir que sejam rechaçadas não-somente as condutas ilegais, mas também as eticamente condenáveis. Porque se sabe que o infrator astuto se vale justamente das brechas legais para montar o seu “sítio de vantagens  indevidas”, porque ali ele busca a impunidade e garantia da continuidade de seus atos de locupletamento.

 

Por isso, utilizando de técnicas modernas de legislar, o legislador instituiu o artigo 195, da lei 9279/95, que disciplinar o que é a concorrência desleal, evitando conceituar com hipóteses rígidas, mediante o uso de exemplificações de maldades humanas ou de exemplos de exercícios condenáveis do espírito humano.

 

No caso da infração por engodo de embalagem de produto ou dos meios de divulgação de produtos, por exemplo, o legislador evitou usar hipótese tão específica. Preferiu dizer que é proibido usar ardis para desviar clientela de outrem.

 

CAPÍTULO VI
DOS CRIMES DE CONCORRÊNCIA DESLEAL

Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem:

III – emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem;

 

No caso aqui referido, Além de ferir direitos de concorrência, o uso de embalagem demasiadamente similar, pode acarretar a ofensa à direitos de autor, regulados pela lei n. 9610/98, mediante a dicção do artigo 7, verbis:

 

Título II

Das Obras Intelectuais

Capítulo I

Das Obras Protegidas

Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:

VIII – as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cinética;

 

No caso concreto, o meio fraudulento de que se vale o infrator para obter a vantagem indevida e ilegal, se opera mercê da utilização de embalagem que reproduz grande parte da identidade visual da embalagem do produto do titular dos direitos infringidos.

 

Embora a capacidade criativa do gênio humano seja imensa, e portanto inúmeras as opções de cores e arranjos gráficos, dolosamente o infrator opta por confeccionar invólucro que praticamente reproduz a identidade de produto ou serviço de outrem. E o faz visando confundir o consumidor, para que compre o seu produto ou contrate serviço, julgando estar adquirindo do titular do produtor de tais produtos ou prestador de tais serviços.

 

ATIVOS NÃO PASSÍVEIS DE REGISTRO

 

Neste ponto é importante advertir e lembrar que nem todos os direitos protegidos pela lei de propriedade industrial pressupõem algum tipo de registro. Enquanto as patentes, desenhos industriais e marcas reclamam a existência de registro ou de pelo menos anterioridade de uso, os delitos de concorrência desleal (vertidos exemplificativamente no artigo 195, da LPI) não necessitam de qualquer registro. Aliás, destinam-se justamente a tutelar aqueles ativos intangíveis da propriedade intelectual que não possuem  registro. Esse é justamente o caso da Concorrência desleal em embalagem, delito que atinge direitos plenamente tuteláveis.

 

Como dito antes, ao redigir o artigo 195, da lei 9279/96, o legislador procurou prevêr e tipificar as mais diversas formas que a criatividade humana possa conceber para praticar ilegalidades no plano da concorrência de mercado. Trata-se de listagem numerus clausus, portanto, não esgotativa. São meros exemplos. Pois a inteligência humana na busca do locupletamento não possui limites para criar modalidades novas de ilegalidades. A prática de Concorrência desleal em embalagem é uma delas.

 

Quando se trata de imitação de embalagens, usualmente aplica-se o inciso III, do artigo 195, da lei n. 9.279/96. Pois o uso de embalagens que possam induzir o consumidor a erro. E isso, inequivocamente configura um “ardil” para desviar o magnetismo de venda que as embalagens adquirirem com o tempo após árduo e oneroso trabalho no segmento de marketing.

 

A materialização desse ardil está assentada no uso de mesma base de design, cuja visão de conjunto propicia a forte probabilidade de confusão do consumidor. É relevante lembrar que é no “todo”, na integralidade dos atributos visuais que reside a percepção do consumidor. E não propriamente nos detalhes. Embora tais detalhes possam interferir na decisão final, conforme o grau de percepção do consumidor.

 

Assim, do ponto de vista gráfico, no mais das vezes a imitação e concorrência desleal ocorre NÃO FORMA SERVIL, mas sim mediante o acréscimo de pequenas e quase imperceptíveis (ou irrelevantes) distinções ou diferenças. Estas pequenas diferenças são inseridas propositalmente pelo infrator. E constituem argumentos para a futura defesa. Pois quem imita sabe que, mais cedo ou mais tarde, irá ser colhido judicialmente, no flagrante. No entanto, embora tais embalagens se tratem de cópias NÃO SERVIS, ou graficamente não sejam iguais às embalagens imitidas, JURIDICAMENTE são consideradas ilegais. Pois possuem enorme força de confundir o consumidor, face a extrema semelhança com a embalagem imitada.

 

o STJ já julgou muitos casos de infração ao trade dress, visando desvio de clientela. A respeito pode ser visualizado o julgado do RESP 1527232 (https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&termo=REsp%201527232).

 

A propósito, também o STJ já fixou o Tema Repetitivo 950, que pode ser visto em https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=CONCORR%CANCIA+DESLEAL+EMBALAGENS&repetitivos=JULGADO+E+CONFORME+E+%22RECURSOS+REPETITIVOS%22&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true.

Segundo tal tema,  a ação envolvendo trade dress, por não envolver nulidade de marca, deve ser deduzida na justiça estadual.

É bastante comum que nos crimes de trade dress ou de Concorrência desleal em embalagem que o infrator use marca diferente ou sua própria marca, embora copie a aparência do produto ou serviço do concorrente. Isso não quer dizer que o infrator de trade dress não comenta cumulativamente outros delitos, como também crime contra registro de marca ou direitos autorais. Porque em toda criação de identidade visual que venha a constitui o trade dress, está contida uma criação autoral.

 

Produtos de uso humano diário e de preços com baixa estatura econômica (bebidas, cereais, doces, laticínios) estão entre os mais visados pelos infratores. E isso já em razão do preço baixo o consumidor em regra efetua uma compra mais rápida. E por isso desprovida de cautelas (porque se se detivesse mais tempo, identificaria o ardil e evitaria o equívoco). Assim, a Concorrência desleal em embalagem é prática que deve ser constantemente monitorada pelos produtos de bens e prestadores de serviços.