Muito se fala atualmente em signos vinculados à geografia e à determinados métodos e regiões. E no meio leigo em Propriedade Intelectual, que infelizmente ainda prevalece dentre os empreendedores, reina muita confusão sobre o tema. Através do presente texto pretende-se oferecer um conteúdo com viés bastante básico, que será relevante como o passo inicial no assunto.

 

Assim, e primando pela objetividade, cabe inicialmente dizer que Denominação de Origem Indicação de Procedência são espécies  que compõem o gênero Indicação Geográfica. E estão previstos nos artigos 177 e 178, da lei n. 9.279/96:

Art. 177. Considera-se indicação de procedência o nome geográfico de país, cidade, região ou localidade de seu território, que se tenha tornado conhecido como centro de extração, produção ou fabricação de determinado produto ou de prestação de determinado serviço.
Art. 178. Considera-se denominação de origem o nome geográfico de país, cidade, região ou localidade de seu território, que designe produto ou serviço cujas qualidades ou características se devam exclusiva ou essencialmente ao meio geográfico, incluídos fatores naturais e humanos.

 

E justamente a Denominação De Origem e Indicação de Procedência é que serão tratadas no presente artigo.

 

Geografia, terrenos e culturas humanas

 

O uso de signos que identifiquem restritivamente a origem geográfica de determinados produtos ou serviços é mais antigo do que se possa pressupor. Em realidade, estas categorias de marcas, as quais espelham certificações, funcionam como garantia ao consumidor da autenticidade de determinadas qualidades ou características, bem como de proteção à ativos intelectuais e naturais de determinadas regiões, elementos diferenciadores estes que podem configurar aquilo que conhecemos como Terroir.

 

Este tipo de signo, tem sido associado em geral com bebidas e queijos, especificamente vinhos, produtos de uva e laticínios. Isso talvez decorra de marketing mais influente, ou mesmo porque esta forma de proteção tenha sido criada nos primórdios para proteger origens de vinhos e queijos.

No entanto,  as chamadas Denominação de Origem e Indicação de procedência passaram a estender-se também para outros produtos, como queijos, carnes, manteigas, cafés, pimentas, frutas, cereais e muitos outros tipos. Inclusive para serviços.

 

Um pouco de história…

 

Tudo iniciou no setor do vinho: em 1765 o Marquês de Pombal fundou uma companhia visando preservar os atributos do Vinho do Porto, denominada Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro. Na oportunidade, quase quinhentas pessoas se rebelaram publicamente contra a criação de tal companhia, hostilizando o então administrador.

 

Naquela oportunidade, quase todos foram condenados, por delitos contra a Coroa. Tais detalhes históricos permitem ao observador atento perceber a importância do produto para aquela região. Pode-se dizer que os vinhos de Feitoria do Douro são a demarcação e certificação produtiva mais antiga do mundo. Mais que a conhecida Champagne. Embora se diga que a casa dos Habsburgos (tradicional família nobre, presente em toda a Europa) tenha gestado e gerido o mais antigo sistema de classificação registrado de vinhas no mundo, em Tokaj-Hegyalja, Hungria.

 

Ainda dentro do viés histórico, é importante registrar que foi através do Tratado de Madri, de 1891 que se protegeu o tão conhecido Champagne. Entretanto e posteriormente, em 1905 entrou em vigor em França a primeira lei que tratou das bases de certificação e delimitação de origem. Seguindo aqui os mais relevantes pontos históricos, não é possível deixar de registrar que na década de vinte foi estabelecida a delimitação e regramento específico da região de Champagne, com critérios de tipos de uvas, espaçamento das vinhas, formas de produção.

 

Depois, disso, na década de trinta, surgiram as famosas Apellations d’Origine Controlées – AOC, ou, em Português, as Denominações de Origem Controlada – DOC. Vale lembrar que se costuma usar uma expressão francesa, terroir, para indicar as práticas e compreensões gaulesas que associam de forma indissociável as características naturais (solo, clima, tipo de planta e insumo) com a atividade metodológica humana.

 

Na verdade, os momentos históricos acima citados são pequenos episódios ilustrativos da linha histórica, que é muitíssimo mais rica, já que não foram apenas Portugal, França ou Hungria que instituíram este tipo de proteção. Mas muitos outros países, cada qual com suas particularidades.

 

Entretanto, no Brasil o assunto é mais novo. Se para as marcas singulares não se pode dizer que o Brasil tenha uma cultura antiga, imagine-se o que falar sobre signos de caráter coletivo. Com efeito, apenas no ano de 2002 é que surgiu a primeira indicação geográfica no País, que foi o Vale dos Vinhedos, para a categoria de vinhos.

 

Natureza do registro de Indicações Geográficas

 

Nos registros de marcas simples, destinadas à produtos e serviços, a natureza dos mesmos é atributiva de direito, porque a propriedade somente se adquire com o registro validamente concedido. O direito é constituído.

 

No caso das Indicações Geográficas, ocorre de forma diferente: não há somente a constituição de um direito. Há mais. Há declaração ou reconhecimento de um direito pretérito (de uma situação que já pré-existia) e constituição pública.

 

O Manual das Indicações Geográficas do INPI fala apenas em efeito declaratório. Mas, em verdade, todo registro tem dois aspectos: o (1) material, que pode ser atributivo ou declaratório e o (2) constitutivo, que confere a materialização formal, oponível perante todos como elemento irradiador de efeitos.

 

No caso das IGs, o aspecto material é formado pelo efeito declaratório, que retroage no tempo. Confira-se a dicção do Manual de Indicações Geográficas do INPI:

 

O parágrafo único do art. 1º da Instrução Normativa nº 95/18 dispõe que o registro das IG é de natureza declaratória e implica o seu reconhecimento.

Dessa forma, a IG não é um processo de criação, mas de reconhecimento de uma situação jurídica pré-existente, por meio do qual o INPI protege um nome geográfico.

O registro confere ainda o direito de exclusividade do uso da IG aos produtores ou prestadores de serviço que se encontram na área delimitada, desde que sigam o estipulado no caderno de especificações técnicas e se submetam ao controle definido para o uso da IG.

 

Declarar significa falar de algo já existente. Isso é uma demonstração de que as características que podem sustentar um pedido de indicação geográfica, ainda que em seu primeiro pedido, devem previamente existir e ser comprovadas. Esse aspecto já é um início de legitimidade para aqueles que já produzam em tal região, conforme os critérios do que se pretenda definir tal IG.

 

Conceitos e utilidades

Para que se possa compreender mais direta e facilmente o conceito de Indicações Geográficas, ou IG, como é dito no jargão técnico, primeiramente deve se ter em conta que tal termo é aqui examinado no panorama de propriedade intelectual.

Sobre o que é propriedade intelectual, veja artigo de nossa autoria em https://www.marcasepatente.com.br/o-que-e-propriedade-intelectual/. Que é a parte do direito que reúne a propriedade industrial e o direito de autor.

 

A  indicação geográfica, que engloba duas modalidades distintas (denominação de origem e a Indicação de Procedência) é um tipo de signo  que se vincula com dois aspectos: a certificação da origem geográfica de um produto ou serviço e uma identificação de tal fato.

 

Em curta e apertada síntese, e num conceito ainda bastante genérico, a Indicação Geográfica é um signo formado vinculado à um determinado local geográfico e que se submete a determinados métodos ou influências humanas consagradas naquela determinada região, para produzir determinado produto ou serviço. Somente quem estiver estabelecido no território objeto da IG é que poderá usar tal signo. Em regras IGs tem sua formação, registro e uso controlados e organizados por alguma entidade representativa da região.

 

A indicação geográfica se subdivide em duas modalidades: (1) Indicação de Procedência (IP) e a (2) Denominação de Origem. A primeira, IP, se prende mais ao fato da região ser conhecida como um núcleo geográfico onde se produz, se extrai e se fabrica algum produto ou se presta o serviço. Por outro lado, a Denominação de Procedência está mais vinculada à uma determinada qualidade específica e inerente ao local, conjugadamente à interferência humana (isso é o Terroir).

 

Em termos legais, n Brasil as IGs são previstas na lei 9279/96. O INPI apresenta a seguinte definição de Indicação Geográfica – IG:

 

“A Indicação de Procedência é o nome geográfico de país, cidade, região ou localidade de seu território, que se tenha tornado conhecido como centro de extração, produção ou fabricação de determinado produto ou de prestação de determinado serviço. Já a Denominação de Origem é o nome geográfico de país, cidade, região ou localidade de seu território, que designe produto ou serviço cujas qualidades ou características se devam exclusiva ou essencialmente ao meio geográfico, incluídos fatores naturais e humanos.”

 

Finalmente, exemplificativamente, indicamos para seu conhecimento a relação completa e atualizada das indicações geográficas junto ao INPI, que pode ser visto em relação de pedidos de indicações geográficas.

 

NORMAS SOBRE INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS

Abaixo, as normas sobre indicações geográficas.

 

JUNTO AO INPI

 

LEGISLAÇÃO FEDERAL BRASIL E INTERNACIONAL

Lei 9.279, de 14 de maio de 1996 Regula direitos e obrigações relativos à Propriedade Industrial. Veja em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9279.htm .

Lei de Direitos Autorais nº 9.610/98 – Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. Veja em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9610.htm .

Convenção da União de Paris. Veja em http://www.inpi.gov.br/legislacao-1/cup.pdf .

TRIPS (em português, conforme publicação no DOU 31/12/1994, Seção I, Suplemento ao N.248-A). Veja em http://www.inpi.gov.br/legislacao-1/27-trips-portugues1.pdf .

Legislações dos países-membros da OMPI (plataforma WIPO Lex). Veja em https://wipolex.wipo.int/en/main/legislation .

LEITURAS RECOMENDADAS

A respeito de INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS, recomendamos as seguintes leituras:

Indicações Geográficas, Signos Coletivos e Desenvolvimento Local/Regional – Adriana Carvalho Pinto Vieira, Ana Elisa Bressan Smith Lourenzani, Kelly Lissandra Bruch, Liliana Locatelli, Ludimila Cesar Moura Gaspar – Deviant Editora – 2019

Tratado da Propriedade Intelectual – Tomo IV – Denis Borges Barbosa – Editora Lumen Iuris – 2015

 

Autor: Carlos Ignacio Schmitt Sant´Anna –  ©